Nunca meu saudoso Pai me falou sobre a sua pretensão à vida religiosa antes de conhecer minha mãe e a tomá-la como sua esposa. Tomei conhecimento desse fato somente após a sua morte. Nem mesmo tive curiosidade, quando adolescente, de dar uma olhadela, às escondidas, a uma agenda pessoal sua, de cor avermelhada, que sempre a guardava com muito zelo. Não tenho lembranças se minha saudosa Mãe chegou a me participar sobre essa sua inclinação religiosa, apenas guardo vagas recordações de quando ela me falava que meu pai teria feito uma viagem à Belém do Pará, via marítimo, em face de existir em casa uma velha mala em madeira, em formato de uma caixa, com tampa, onde constava na mesma, em sua parte interna, uma estampa oval, em papelão, da figura de Nossa Senhora Imaculada Conceição. Sobre essa mala, tenho lembranças que minha mãe muitas vezes, em tom pilhérico, falava sobre a viagem de meu pai com essa mala pitoresca, mas nunca comentando sobre a sua finalidade.
Passados alguns anos do falecimento de meu pai, inclusive o de minha mãe, estive visitando o tio Jairo, de saudosa memória e, em sua casa, tomei conhecimento que meu pai tinha feito parte da Congregação Marista, inclusive tomado o hábito com o nome religioso de Lino Gabriel. Após essa revelação, enveredei-me em sondar sobre esse fato, indagando às minhas irmãs sobre os documentos que os deixou em vida, já que o mesmo era extremamente zeloso e cuidadoso em guardar todo tipo de documentos que lhe convinha e, para minha surpresa e emoção, me deparei com sua agenda pessoal de cor avermelhada que, quando adolescente, algumas vezes o via a folhear. Com minhas mãos trêmulas vislumbrei página por página, aquela agenda já com suas páginas amareladas e envelhecidas pelo tempo, e lá constavam alguns dados, dentre outros, como: "Saí do Feijão, minha terra, terra em que nasci, a 25 de fevereiro de 1924. Chegada em Apipucos no dia primeiro de março, em um dia de sábado de 1924. A tomada de hábito foi no dia 15 de janeiro de 1927". Verdadeiramente estava correta a afirmativa de meu Tio Jairo. E num amontoado de documentos, também vislumbrava um álbum datado de 1935, onde nele constavam várias fotos de alunos e Irmãos Maristas do Instituto de Nossa Senhora de Nazaré, de Belém, do Pará. E com uma lupa percorri vagarosamente, cada rosto de alunos e irmãos maristas daquele Instituto, na busca de encontrar a de meu Pai, mas logo o percebi que no meio daquela gente, com certeza, ele não estava. E mais uma prova se estampava diante dos meus olhos, quando observei uma foto com uma dedicatória de um afilhado seu, que era acólito daquele Instituto Marista, que assim se lia com a grafia da época: "Ao meu muito querido padrinho Ir. Lino Gabriel, offereço esta minha photograpfia como prova de minha sincera amizade. Deste que muito lhe preza. 4-XII-34. Ramiro Koury." Interessante que sobre o nome Ir.Lino Gabriel, estava sombreado com outro nome, ou seja, Luiz Landim Pinheiro, uma forma de meu pai disfarçar desse seu nome religioso, que somente com a lupa é que me veio dá a certeza do nome Ir. Lino Gabriel. E mais uma vez o meio tio Jairo acertava.
Meses depois, eu vim dar como verdadeiro o fato de meu pai ter sido um ex-Irmão Marista, que me fascinou e me deu muito orgulho. Essa verdade veio por fim numa anotação registrada, com muito detalhes, em uma agenda de apontamentos datada de 1928, que pertencia à minha saudosa Tia Mariinha, que ainda hoje a guarda com muito carinho, onde nela consta o relato de uma visita que meu pai fez a meus avós em 1929, quando os mesmos moravam na Fazenda Lagoa Seca, de propriedade do senhor João Barreto Moreira, onde para lá meu avô foi gerenciar, localizada no atual município de Jaguaruana, antigamente denominado de União. Essa agenda me foi presenteada muitos anos atrás, logo após a sua morte, por uma de suas filhas, Terezinha Landim, também de saudosa memória, quando à época fazia pesquisa genealógica sobre os meus ancestrais. Nela consta a seguinte anotação, que transcrevo como lá se encontra "Chegou Irmão Lino Gabriel vindo de Pernambuco em visita a família. Passou em minha casa Domingo 20, fomos para Manuel Vaz no dia 21 e voltamos no dia 22, em uma terça-feira, neste mesmo dia partiu para Fortaleza, tendo ido no dia 24 para Lagôa Secca em visita aos nossos caros pais. De volta regressou para o Pará. Tendo saido de Campo Bello a 1h e 15 da tarde. Veio com o Ir. Joaquim.
Campo Bello 23 de janeiro de 1929.
Saudades de meu querido irmãosinho".
Ora, essa informação eu já tinha conhecimento há bastante tempo, mas por negligência de minha parte nunca me veio a mente em sondar alguém da família, a quem se referia essa minha tia sobre esse seu irmão, até por que ela não fazia referência ao nome desse seu irmão. "Agora Inês é Morta".
O certo é que muito cedo despertou em meu Pai o desejo de fazer parte da Congregação Marista, não sei o que teria motivado a esse intento. Apenas sabia que seus pais eram extremamente religiosos, e talvez isso o teria influenciado de alguma forma, ou influência de algum Irmão Marista que tenha visitado aquela região de Campos Belos que, a época, pertencia eclesiasticamente ao município de Pacoti-CE.
Em recente conversa com o generoso Irmão Marista, Antônio Aguiar, radicado na cidade de Maranguape-CE, o mesmo me participou que existiu no início do século XX, um irmão marista de Apipucos, em Recife, Pernambuco, que se embrenhava pelo Nordeste à procura de jovens para ingresso nessa congregação, fruto de inspiração do seu fundador, Marcelino Champagnat, homem cujo pensamento ia além das idéias educacionais do seu tempo, demonstrando ser um excepcional educador da juventude, hoje difundido em 77 países.
Meu pai relata em sua agenda pessoal, que saiu da casa de seus pais para ingressar na Congregação Marista, em Apipucos-PE, em 25 de fevereiro de 1924. Já minha avó, em sua caderneta de anotações, afirma que ele deixou o lar materno às 00h45 da madrugada da terça-feira 26 de fevereiro de 1924, que embarcou no dia 5 de março, em uma quarta-feira. Que tomou o hábito de marista no dia 13 de janeiro de 1927. Que fez a primeira visita aos pais no dia 23 de janeiro, voltando no dia 30 às 23h30.
Com tantas riquezas de detalhe, prefiro ficar com as informações de minha avó paterna, em face de inclusive os dias da semana baterem com as datas mencionadas, bem como a data da tomada de seu hábito, se comprovar com a data registrada no livro de Registro Geral da Província Marista do Brasil Norte, Volume 1, onde constam os dados de meu Pai, quando de sua permanência na Congregação Marista, cuja matrícula lhe foi dada sob o número 9244.
E foi assim que meu pai, com o espírito marista, deixou a casa paterna quando ainda contava apenas com 16 anos de idade, para um mundo totalmente diferente de seu habitat, pois até então ajudava meus saudosos avós, no cultivo agrícola, na propriedade de seus avós "Fazenda Feijão", fincada na povoação de Campos Belos, hoje distrito do município de Caridade-CE.
Não sei quem o conduziu até a cidade de Recife, mas com certeza partiu do então viaduto Moreira da Rocha, em Fortaleza, que servia de viaduto de desembarque, que posteriormente passou a chamar-se Ponte Metálica, onde nela desembarcavam e embarcavam passageiros e cargas no começo do século XX.
Meu pai permaneceu na Congregação Marista até dezembro de 1935, portanto, 11 anos de vida marista. Não sei o que teria levado a desistir de sua vocação marista que estava tão bem consolidada; se algum tipo de revolta ou se algum tipo de sentimento de paixão tenha abalado o seu coração frágil, ou até mesmo, algum tipo de doença que o faria desistir .
Não importa essa sua desilusão, se é que foi. O importante e que ele em vida repassou a seus filhos o legado de uma formação moral e religiosa embasada nos princípios cristãos, mesmo tendo-nos criado numa forma rígida, sempre demonstrou um relacionamento de carinho, lealdade e respeito.

Mala em madeira revestida de tecido pintado na sua parte externa e papel decorado em sua parte interna.

Essa mala data de 1924, ano em que meu Pai deixou a casa paterna aos 16 anos de idade para ingressar na Congregação Marista. Com ela, ele esteve na antiga Casa Provincial dos Maristas, em Apipucos-Recife-PE e, posteriormente, no Instituto de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará. Serviu de transporte e guarda-roupa de seu vestuário do dia-a-dia. Também essa mala serviu de transporte e de guarda-vestidos de minha irmã Eneida, quando de sua pernamência no Colégio Instituto Maria Imaculada, em Pacoti-CE, na condição de aluna interna. Atualmente, com 83 anos de uso, ela ainda é utilizada na residência de minhas irmãs Eneida e Zeneida, à Travessa Comendador Acioly, 70 - altos - em Fortaleza-CE.